‘BCs do mundo correm o risco de armazenar problemas para mais tarde’

7 de abril de 2020 Por Redação

Jerome Powell, presidente do BC americano (Federal Reserve) que já injetou bilhões na economia

 

Publicado às 15h49min

 

‘BCs do mundo correm o risco de armazenar problemas para mais tarde’

A afirmação acima é do economista britânico Adam Patterson. Em entrevista ao Finance News ele explica que a pandemia do novo coronavírus pode desencadear a próxima crise financeira global, seja agora ou no futuro, com os Bancos Centrais inundando a economia de dinheiro para evitar a paralisação de diversos setores.

Adam tem pós-graduação em Economia pela Universidade de Londres, especialização em Investimentos pelo Instituto Real e MBA em Finanças pela Universidade Federal do Paraná. É advisor na Redirection, companhia de M&A e Financial Advisory com sede em Curitiba.

 

Finance News – A crise de 2008 provocou a crise da dívida soberana anos mais tarde na Eurozona. Isso pode ocorrer de novo? Para tentar conter o impacto da pandemia agora, governos poderão se tornar inadimplentes no futuro?

Adam Patterson – Estamos passando por tempos econômicos e sociais inéditos, em especial nas economias desenvolvidas. Os bancos centrais e governos de todo o mundo estão recorrendo a uma série de ferramentas de alívio econômico para conter as consequências do coronavírus.

Vários trilhões de dólares em estímulo devem ser anunciados para ajudar as economias do G-20 (grupo das principais economias do mundo) nas próximas semanas, à medida que a pandemia sufoca a atividade do consumidor e de empresas e ameaça uma profunda crise global, uma “recessão de Carona”. Um resultado desta ação fiscal e monetária pode levar a um “replay” mais amplo da crises financeira global de 2007-8 (GFC – crise financeira global) e subsequente crise da dívida soberana. A Covid-19 pode expor o quão frágeis são as atuais políticas nacionais de “tax e spend” (imposto e gasto – políticas que aumentam o tamanho do governo). 

Os índices de dívida em relação ao PIB do G7 já são 50% maiores que 2008 (e isso após uma década da chamada “austeridade”, ou seja, pagamento de dívidas e implementação de políticas fiscais sustentáveis). Costumávamos pensar que a GFC de 2007-2008 estabeleceu o padrão para um choque global duro. Mas aquela crise levou mais de 12 meses para se espalhar dos EUA ao sul da Europa e os principais centros financeiros globais. A atual pandemia teve impacto grande em alguns meses.

A crise da dívida soberana que se seguiu foi localizada, específica e “endêmica”. A atual crise é “exógena” e global. A combinação de crises econômicas, capital flight, colapso dos preços das commodities, potencial instabilidade política e um sentimento generalizado de “risk off” (fuga dos investidores de ativos arriscados) nos mercados pode, no futuro breve, tornar difícil para alguns países refinanciar suas dívidas – o que os economistas chamam de “sudden-stop”.

Embora algumas situações possam ser evitadas com financiamento de emergência do FMI ou do Banco Mundial, seus recursos seriam inundados em uma recessão global profunda. Alguns países falaram em fazer “o que for preciso” para salvar suas economias. A questão é: eles podem se dar ao luxo de fazer isso? Poderíamos estar entrando em um “new macro normal”. Espere-se um novo uso de “cláusulas de ação coletiva” (CACs) em títulos soberanos, maior conversação (e provavelmente continuará sendo apenas isso) de “Carona Bonds” conjuntos na zona do euro e difíceis decisões econômicas por vir ao redor do mundo depois da pandemia passar. No momento, porém, os países estão priorizando as questões sociais e de saúde. As faturas dos cartões de crédito governamentais podem ser discutidas posteriormente.

Finance News – Para conter a crise provocada pela doença os governos e Bancos Centrais estão inundando os mercados de dinheiro. O excesso de liquidez também pode ser um problema e provocar bolhas na economia. Você concorda com essa afirmação? Por que?

Adam Patterson – No nível monetário, os bancos centrais estão fazendo todo o possível para limitar uma crescente “pandemia econômica”. O Federal Reserve dos EUA e suas contrapartes globais agiram de forma agressiva com cortes radicais nas taxas de emergência, ofertas de moeda barata, compras de ativos e injeções de liquidez (através de operações de “Repo”), bem como possíveis empréstimos diretos a empresas. Isso é, na maioria das vezes, sem precedentes, especialmente para riscos essencialmente não sistemáticos. O estágio de “helicopter money”, pode ser o próximo, pois a munição monetária tradicional (isso é no sentido de pôs-2008) está “running on empty”. Não obstante as discussões em torno da eficácia de tais políticas – a flexibilização da política monetária e as injeções de liquidez podem resolver uma crise essencialmente de saúde, exasperando um downturn quase inevitável – a questão é: quais serão os efeitos colaterais dessa ação coordenada?

Os bancos centrais do mundo correm o risco de armazenar problemas para mais tarde. Bolhas eventualmente estouram, essa é a lei da gravidade econômica. As torneiras de liquidez já existem há mais de uma década, em um dos ciclos econômicos mais longos de todos os tempos. A dívida global total já está se aproximando de US$ 250 trilhões (fonte: Bloomberg). Além disso, a criação de “empresas zumbis” poderia reduzir o crescimento futuro e levar a um aumento adicional de alavancagem insustentável. 

O coronavírus pode, portanto, desencadear a próxima crise financeira global, seja agora ou no futuro. Lembremos, por exemplo, que a dinâmica de longo prazo da crise da dívida soberana europeia não foi totalmente resolvida. A crise atual pode adicionar combustível ao fogo. A prevenção de bolhas de ativos é sempre melhor do que a “cura” após a bolha estourar. Mas, no momento, a prioridade é “keep the economic wheels on”.

Finance News – Qual a sua previsão para o investimento estrangeiro direito, do qual o Brasil é tão dependente. Continuará chegando na quantidade que o Brasil precisa?

Adam Patterson – Olhando para a última recessão doméstica como guia, de acordo com a Deloitte, em 2014, o investimento estrangeiro direto no Brasil (IDE) caiu 22,9%, de US$ 96,9 bilhões para US $74,7 bilhões em 2015, antes de começar a retomar nos últimos anos, devido em parte ao novo governo com policias pró-negócios e reformas estruturais. De fato, no ano passado, o Brasil foi o quarto maior destinatário de IED global. As previsões da Trading Economics sugerem que a tendência é ascendente. No entanto, o cenário macro tem muito menos visibilidade agora, e isso não se limita apenas à atual crise global da saúde (por exemplo, olha a performance do câmbio USD/BRL desde do início do ano). Devemos ter uma visão melhor nos próximos meses. No entanto, vale ressaltar que o risco país no Brasil aumentou quase 70% no último mês.

Finance News – O governo federal teve de parar drasticamente seu plano de cortar despesas e reformar o Estado. O governo deverá aumentar as despesas para lidar com o impacto da pandemia e terá queda brusca de arrecadação. Como o investidor externo avalia essa situação do Brasil? 

Adam Patterson – Para perguntas complexas, raramente há uma resposta simples e única. As reformas estruturais e macroeconômicas no Brasil são obviamente fundamentais a longo prazo, especialmente para investidores internacionais. No momento, porém, a prioridade principal é investir os recursos necessários para combater a crise da saúde e apoiar a atividade econômica. Isso é compreensível e faz sentido econômico. A maioria dos governos ao redor do mundo está priorizando o suporte à demanda agregada. Prudência pode esperar. Se tais políticas forem bem direcionadas, sensatas e limitadas no tempo junto com expectativas de políticas futuras sustentáveis, os países poderão permanecer com a confiança dos investidores e limitar os riscos de “downside”. É muito cedo para dizer, no entanto, se esse será o caso. Como diz a antiga expressão inglesa: “que viva numa época interessante”.