As primeiras lições sobre como lidar com o dinheiro devem começar ainda na infância. A mesada pode ser importante, embora ainda desperte polêmica e muitas dúvidas.
Para ajudar os pais nessa tarefa, o Finance News entrevistou Lina Nascimento, educadora de infância do pré-escolar e desenvolvedora de projetos de educação financeira para crianças desde 2012.
Lina também é palestrante sobre o tema.
Lina Nascimento: Sim, é muito saudável para as crianças a opção da família em recorrer à mesada ou à semanada.
Lina Nascimento: Recomenda-se que as crianças com mais de seis anos recebam algum tipo de “semanada” ou “mesada”.
Mas trata-se de um processo que deve ser conduzido de uma forma natural, já que cada criança tem seu ritmo e é preciso respeitá-lo, para não causar traumas nem atropelos.
Cabe assim aos pais, essa tomada de decisão. Afinal, ninguém conhece melhor o seu filho do que os próprios pais.
O cálculo do montante de qualquer destas situações irá depender do nível social e da decisão da família. No entanto, posso referir um montante como referência:
Semanada (antes dos 11 anos) – R$ 2,25 /idade/semana
Mesada (12-14 anos) – R$ 4,50/idade/semana(apenas para efeito de cálculo)
Esta situação marca a criança, precisamente porque simboliza o momento em que passa a ser responsável pelo seu próprio dinheiro.
A semanada ajuda as crianças mais novas a ter uma noção mais adequada da gestão do seu dinheiro, pois o período de tempo mais curto ajuda-as a controlarem melhor os seus impulsos consumistas e a serem regradas nos gastos.
Lina Nascimento: As duas situações podem não ser opostas mas sim complementares. A melhor solução é sempre discutir o assunto no ambiente familiar incluindo os avós. A decisão tomada certamente será a melhor contando com a especificidade da família.
Nos projetos que desenvolvo com os alunos, o método que criei, “Tripé Mágico” inclui 3 destinos para o rendimento obtido. As crianças definem qual o destino do dinheiro do cofrinho da poupança (sonho a alcançar). Neste cofrinho é depositado apenas 1/3 do rendimento total. O outro 1/3 é depositado no cofrinho da doação em que a criança escolhe a quem se destina e o restante 1/3 é reservado para investir dando assim à criança a noção da magia da multiplicação do dinheiro.
É óbvio que este processo deverá ter o apoio do(s) adulto(s) da família, inicialmente. Este é um método com o qual tenho obtido muito bons resultados até com crianças do pré-escolar (3-6 anos). Acredito e estimulo as famílias das crianças a aplicarem-no na semanada ou mesada aconselhando a que estipulem um valor divisível por 3. Esta formula ajuda a criança a entender
que nos princípios básicos da gestão financeira é igualmente importante poupar, doar e investir.
Lina Nascimento: A mesada ou a semanada é uma atitude recomendável para uma educação financeira equilibrada da criança/jovem mas não é de todo, imprescindível.
É certo que se a criança for educada num ambiente facilitador de aprendizagens, pelo exemplo de cada membro da sua família, ela própria vai criando hábitos saudáveis experimentando posturas que contribuem para a formação da sua cidadania.
A educação financeira deverá ser tida em conta desde tenra idade sendo para isso a criança acompanhada e estimulada a participar nas mais diversas situações onde se promovam a poupança, a doação, o investimento e acima de tudo o planejamento.
Claro que se deve ter em consideração, a faixa etário da criança e adaptar quer a linguagem quer a abordagem, a cada situação.
Um dos exemplos que posso referir é o planejamento de uma ida ao supermercado. A criança, mesmo muito pequena pode fazer parte deste planejamento se a família lhe der a responsabilidade de ela ir ao armário/despensa verificar se é necessário comprar pasta de dente. Poderá ainda escrever na lista das necessidades (ou desenhar se não souber ainda escrever) e acompanhar a família nas compras. Na escolha do supermercado mais barato a família já está a transmitir à criança noções de poupança. Assim como na escolha de uma marca de pasta de dente econômica.
A utilização do método “Tripé Mágico” poderá sempre ser usado e não é exclusivo da mesada podendo ser usado com dinheiro dado à criança pontualmente ou com dinheiro que a criança ganhe. O importante é que a criança/jovem tenha a capacidade de delinear um sonho que queira atingir para o qual necessite dinheiro e que se foque para atingi-lo de forma sustentável.
Lina Nascimento: É importante sublinhar que se tratando de educação financeira, não basta entregar o dinheiro à criança e ponto final.
A família deve tomar a posição de orientação e de firmeza na ajuda da escolha do destino do dinheiro da mesada. Então, deverá considerar os cuidados a ter com a saúde, o bom uso e o respeito pelo dinheiro.
Já no caso dos pré-adolescentes e jovens, ainda que seja obrigação dos pais, orientá-los, sobre o uso correto de dinheiro e ajudá-los na avaliação das oportunidades existentes, deve-se deixá-los tomar a decisão final sobre o que fazer com o valor da mesada.
É muito importante que os pais ajudem a criança a definir para o que vai servir a mesada e façam as contas em conjunto.
Defendo de que o valor da mesada deve aumentar à medida que as crianças vão crescendo e têm outras necessidades. Isso é o que acontece naturalmente ao longo da vida e ajuda a aumentar a responsabilidade e a autonomia na criança/jovem.
Não se deve, nunca, associar o pagamento da semanada ou da mesada às atividades pelas quais a criança é responsável em casa. Ela deve realizar as suas tarefas porque isso faz parte das responsabilidades da família e cabe-lhe contribuir para a boa organização familiar.
Justamente por isso, não deve se sentir “remunerado”.
Por outro lado, à medida que a criança cresce e passa a adolescente, poderá ser considerada a remuneração de algumas tarefas específicas pelas quais é contrata alguma pessoa para fazer.
Neste caso, o pagamento pela tarefa simplesmente evidencia a relação entre dinheiro e trabalho.
O valor estipulado deve ser de acordo com a inserção no seu grupo social, para que não se corra o risco da sua exclusão.
Deverá se ter em conta os resultados escolares da criança assim como o seu comportamento sem nunca punir a criança retirando-lhe a mesada, pois esta é uma ferramenta de educação financeira e não uma regalia para ser jogada como moeda de troca. De igual modo a mesada nunca deverá ser a compensação pelo bom comportamento da criança.
Lina Nascimento: Se a criança gastar todo o dinheiro antes do final da semana (ou do mês) e pedir para que o adulto dê mais, este deve ser firme e negar! Pois esta recusa só a ajudará a planejar melhor os seus próprios gastos mesmo que não o entenda, nesse momento. Aos pais cabe o papel de supervisionar em vez de punir.
Se o adulto abrir uma exceção, acaba por passar a mensagem errada para a criança: de que ela pode gastar, pois haverá sempre mais, mesmo que a sua gestão seja mal feita! No entanto, como já referi, deve sempre ser assegurado inicialmente qual a quantia estipulada e qual o tipo de despesas que ficarão incluídas. Assim a criança terá que aprender a controlar os seus gastos supérfluos e não planejados.
A família deve tentar perceber porque é que gastou a mesada mal gasta e incentivá-la a fazer de forma diferente na próxima semana/mês. A ideia é sempre que a criança aprenda as consequências, o sentido da responsabilidade e seja estimulada a sua criatividade e autonomia.
Lina Nascimento: Todos os fundamentos da educação financeira se baseiam nas boas posturas sociais nas boas regras de convivência com noções de que o dinheiro é uma energia que necessitamos utilizar pela vida fora.
A forma como lidamos com o dinheiro irá se repercutir no equilíbrio ou desequilíbrio financeiro futuro. O respeito nas escolhas do necessário em detrimento do supérfluo, nos bons investimentos, na inteligência emocional de um planejamento apropriado são ingredientes que os adultos devem adotar para uma cidadania sustentável. A criança aprende acima de tudo, pelo exemplo.
Se a sua família adotar tais posturas ela facilmente terá uma educação equilibrada em termos de literatura financeira.
Como educadora de infância e partilhando da opinião de alguns consultores e educadores financeiros, defendo que, quando a criança aprende desde cedo a lidar com o dinheiro, a reconhecer a importância dele e a valorizar todas as suas conquistas, tem grandes probabilidades de vir a ser um adulto financeiramente responsável.
A ausência de preconceitos e o fato de estarem sempre abertas para receber novas informações leva-me a afirmar que a integração da educação financeira desde cedo é garantia de sucesso.
Acredito que, quanto antes uma criança tiver contato com dinheiro, melhor será a sua relação com ele no futuro. Por isso, receber mesada é visto como algo saudável na sua educação financeira, já que assim é forçada a tomar decisões em relação ao uso do seu dinheiro.
A decisão da instituição da mesada trata-se de uma experiência positiva não apenas para os filhos, mas para toda a família. Pois obriga-a a que de forma lúdica se planeje em grupo e que se crie em conjunto estratégias inovadoras e originais para atingir objetivos comuns.
A cooperação, a solidariedade, a seriedade, a perspicácia, a poupança, o rigor, a criatividade são ingredientes saudáveis e sustentáveis para a implementação da mesada.
O principal objetivo da educação financeira é que a criança lide com o dinheiro de forma clara e sem preconceitos, respeitando-o.
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