Muitos investidores novatos têm dúvidas sobre como interpretar o balanço de uma companhia.
Para ajudar na construção do conhecimento dessas pessoas, entrevistamos Leonardo Depiné. Com MBA em Finanças pela FGV, ele atua na área de planejamento financeiro e também é colaborador do site Ocean 14.
Lembramos que a entrevista a seguir não esgota o tema. É somente uma forma de estimular o investidor a buscar mais conhecimentos sobre o assunto.
Finance News – É muito comum o investidor que não tem intimidade com a linguagem contábil ficar um pouco confuso diante de um balanço ou de um relatório trimestral de uma empresa. Pela sua experiência, o que é mais importante observar primeiro?
Leonardo Depiné – Primeiro, antes inclusive de olhar números, o investidor deve procurar entender qual o negócio da empresa, as questões mais estratégicas. Por exemplo: como a empresa gera receita? Quais os componentes importantes da despesa? Como a margem é obtida? Esta empresa é intensiva em capital ou em pessoas? Esta empresa está em crescimento ou com seu negócio estagnado?
Após um entendimento geral do negócio a leitura dos números será mais fácil e o investidor saberá com mais facilidade onde deve focar sua análise.
Finance News – A gente observa que a imprensa dá ênfase ao lucro líquido. Mas o Ebitda (ou Lajida em português) também tem sua importância. Poderia explicar por quê?
Leonardo Depiné – O EBITDA é muito importante por representar uma “geração de caixa operacional”, que é basicamente receita líquida menos despesas operacionais. Ainda assim não é um indicador definitivo. Por ser um indicador econômico o EBITDA não captura eventuais perdas de caixa por variação do capital de giro.
Uma boa análise deve focar pelo menos em: EBITDA, Lucro (para capturar efeitos de depreciação, financeiros e impostos) e Fluxo de Caixa. No final do dia o fluxo de caixa é o que importa, pois é ele que, trazido a valor presente, representa o valor de mercado da empresa.
Finance News – Muita gente tem dificuldade para entender a “Margem Ebitda”. Poderia explicar como se forma e qual sua importância?
Leonardo Depiné – A margem EBITDA é obtida dividindo o EBITDA pela receita líquida. Ela representa o quanto da receita sobra após descontar as despesas operacionais. Obviamente quanto maior a margem, melhor, mas cada indústria tem uma margem diferente.
Existem ótimas empresas com margem de 10% e péssimas empresas com margem de 30%. Empresas de capital intensivo precisam de margem muito grande, pois devem ser capazes de dar retorno sobre o capital e pagar grandes quantidades de dívida. Já empresas intensivas em pessoas não requerem tanta margem EBITDA, pois seu grande custo já está pago dentro da despesa operacional.
Resumindo, este indicador é bom, mas deve ser usado com parcimônia, para comparar empresas parecidas dentro de um mesmo setor.
Finance News – A receita bruta e a receita líquida merecem atenção também?
Leonardo Depiné – Claro, a receita é onde tudo começa, mas não é um indicador conclusivo, pois deve-se sempre observar a receita em conjunto com a margem, para avaliar se o aumento da receita não está sendo obtido mediante uma redução de preços muito agressiva. No final do dia não importa quanto você fatura, mas quanto sobra.
Finance News – Uma empresa que tem prejuízo líquido, é necessariamente uma empresa ruim para se tornar sócio (investimento no longo prazo)?
Leonardo Depiné – Sim, empresas com prejuízos estruturais devem ser evitadas. Não é papel do investidor individual médio ficar caçando empresas para “turnaround”. Esta é uma atividade demasiadamente arriscada e complexa.
Finance News – Se for uma empresa muito endividada, o que observar?
Leonardo Depiné – Dívida é uma questão que gera bastante controvérsia. Dívida de PJ é diferente de dívida de pessoa física. Empresas de capital intensivo certamente terão algum grau de endividamento para dar continuidade às operações sem usar tanto capital dos sócios. Neste caso investidor deve observar o rating das emissões, o custo da dívida, e o retorno dos projetos financiados. Se a empresa tem dívidas longas e baratas para financiar projetos bons, não há por que se preocupar.
Finance News – Com relação ao balanço de bancos, quais os indicadores que o investidor tem que olhar com atenção?
Leonardo Depiné – Bancos são complexos por natureza, tanto que têm Demonstrações Financeiras específicas para eles (o balanço e, principalmente, o DRE não são iguais aos das empresas “comuns”).
Basicamente o fator mais importante é confiança. Logo, os 3 maiores bancos privados listados na B3 passam nesse quesito. O Banco do Brasil, apesar do controlador ser o Governo Federal, mostrou um ótimo e crescente desempenho nos últimos 3 anos. Em seguida, deve ser observado os lucros anuais (devem, preferencialmente, ser crescentes). E por último, questões como crescimento da receita com prestação de serviços, diminuição da PDD (possíveis calotes) e crescimento das despesas administrativas menores que o crescimento da receita com serviços.
Finance News – Com relação ao resultado trimestral, a comparação correta é com o trimestre anterior ou com o mesmo trimestre do ano anterior?
Leonardo Depiné – Depende do tipo de negócio. Para negócios que possuem grande sazonalidade durante o ano, é melhor comparar com o trimestre do ano passado, ou então os últimos 12 meses vs. 12 meses anteriores. Já para negócios mais lineares a comparação com o trimestre anterior também é válida.
Finance News – O investidor tem que olhar o desempenho da empresa ao longo do tempo. Mas quanto tempo é necessário para saber se a empresa tem fundamentos sólidos (2 anos, 5 anos…)?
Leonardo Depiné – Existem boas empresas que não tem 5 anos de vida na bolsa, portanto voltamos à 1a resposta, cabe entender o tipo de negócio e avaliar os riscos. Também é importante ter um mínimo conhecimento sobre quem são os administradores e seu histórico.
Finance News – Para terminarmos, o que é para você uma empresa com bons fundamentos?
Leonardo Depiné – Uma empresa bem gerida é aquela que, dentro do seu setor, consegue se destacar. Se for um banco, consegue emprestar bem com baixa inadimplência. Se for uma indústria de capital intensivo, consegue levantar capital a custo baixo executar projetos grandes no prazo e dentro do orçamento. Se for uma empresa de varejo, é aquela que consegue crescer controlando os custos e sem comprometer a margem.
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